“ Da Natureza do Vínculo ao despertar dos Sentidos”
“Quando da vastidão dos Mundos
O Sol fala aos sentidos do Homem,
E a alegria dos fundos da Alma
Unifica-se a luz do olhar.
Então fluem pensamentos do Eu”…
R.Steiner
A Natureza humana procura alcançar as regiões mais elevadas para atrair partículas de luz, de pureza, de eternidade na relação mais precoce da nossa existência.
Toda a Natureza é viva, sabia e perfeita e povoada de aspirações, desejos, sonhos e descobertas que despertam em nós a nossa verdadeira essência: o sentir como ferramenta para aprender a ser. O desejo de querer ser, leva-nos a estabelecer relações, usar diferentes estilos de comunicação e a estabelecer laços que encerram em si a profundeza do nosso Ser.
Um vínculo (do latim vincŭlum) é uma união, relação ou ligação com características duradouras. De igual modo, provém da mesma raiz que a palavra “vinco”, que se refere a alguma forma de ligação entre partes que se unem e que são inseparáveis, embora permaneçam delimitadas entre si. Vínculo também significa um estado mental que pode ser expresso através de diversos modelos e abordagens (Zimerman, 2010). A formação de vínculos muitas vezes condiciona a saúde futura e aparece como elemento central do desenvolvimento psíquico.
Para o estabelecimento dos vínculos afectivos contribuem elementos transmitidos pelas gerações anteriores que funcionam como sensores afectivos, configurando micro-universos relacionais dentro dos quais as interacções acontecem.
Diversos estudos concluíram que o desenvolvimento do cérebro se faz num palco onde a genética e as experiências da infância são os actores principais, por serem responsáveis por alterar a estrutura e o funcionamento cerebral com o intuito de nos adaptarmos ao mundo.
O circuito cerebral de vínculo, ou attachment, faz-se necessário para que a criança mantenha proximidade com o cuidador que é aquele responsável por nutrir e proteger. Além disso, o vínculo é responsável por programar estruturas cerebrais futuras, ligadas às emoções, à cognição e à visão de mundo como um lugar seguro ou perigoso, não havendo um receptor específico para amor ou para a sensação de segurança, a única via para se entrar no cérebro da criança são os cinco sentidos, capazes de mudar a bioquímica e a actividade neural. Essa via sensorial permite a existência de maneiras distintas de desenvolvimento resultando em adultos psicologicamente saudáveis.
A estrutura do vínculo começa a ser construída no último trimestre da gravidez, quando o sistema sensorial do bebê torna-se funcional. A partir daí, a voz materna viaja pelos tecidos e pelo líquido amniótico e estimula o sistema auditivo da futura criança, os cheiros (principalmente o odor materno) e gostos sentidos pela mãe também passam para o bebê estimulando seus sentidos.
Como consequência desse processo, após o nascimento, o bebê já reconhece a mãe e ela já tem poder para acalmá-lo. O próximo período crucial de vinculação é delimitado dos nove meses de idade até o primeiro ano, pois é nesse momento que a criança forma a representação psicológica do cuidador.
Ter clareza a respeito do próprio desejo, confiar na intuição e impulsionar o voo em direcção ao mundo interior da alma feminina são atitudes que podem facilitar a travessia, mergulhando através de sensações, pensamentos e emoções com o objectivo de experimentar e desvendar caminhos possíveis para a educação e desenvolvimento de potencialidades humanas. Encontramos no ato de amamentar um regresso à origem, ao ponto de partida e de encontro com o nosso Eu, libertando-nos da sociedade e encaixando-nos com a Natureza. Sendo um ato ecológico, permite iniciar uma viagem penetrando num mundo de cores, ritmos, sabores e calor humano, envolvendo-nos na dança da vida, com confiança, segurança, protecção e carinho sempre em conexão com a sabedoria poderosa e natural do nosso coração.
Viver é vincularmo-nos através de vínculos emocionalmente ecológicos (garantindo o equilíbrio do ambiente) que assentam no afecto, no respeito, na liberdade responsável, tecendo relações afectivas saudáveis e seguras.
“Pensei que um caminho natural para se ensinar a compaixão, são as artes que trazem à existência as coisas que não existem” ( Rubem Alves).
Da Água à Terra a céu aberto, Mãe, mar e maré parecem ganhar conjuntamente um sentido, quer pela sua ressonância auditiva, quer pelo conteúdo simbólico. A Mãe, que mãe d’Água é do seu bebé, acolhe-o no seu mar interior, no seu líquido amniótico, líquido em que o bebé nada e flui ondulante precedendo um momento de maré viva na vivência do parto. Do mesmo modo, a imagem terrena associada à caverna e à gruta (elementos terrestres) é a de Mãe. Mãe Terra, Mãe acolhedora, contentora ….Mãe que dá Luz! Se à Terra foi associado simbolicamente a fertilidade, a Água constituirá no plano ideativo, o encontro consigo próprio, às profundezas e ao retorno à origem do nosso Ser, representando assim, numa perspectiva dinâmica a regressão ao útero materno, fonte de origem da vida. Também os antigos egípcios concebiam o céu e o firmamento como uma figura maternal, Nut, que se curvava de forma protectora sobre a Terra, envolvendo-a.
Desta simbiose mãe e filho, unidos por água, terra e ar também se encontram corporificados no ventre materno representando um espaço psíquico que abraça e envolve um Ser que cresce aspirando Amor, contacto da pele ao corpo, ritmos e sabores, melodias internas e externas elevando-se na luz e na sombra do seu horizonte de emoções. Ao re-criar a figura materna, o bebé vai progressivamente criando o pensamento (nossa condição existencial).
A necessidade de encontrar um objecto contentor, reflecte-se na busca de uma luz, uma voz, um odor, ou um outro símbolo sensual que permita unificar as diversas partes da sua personalidade. A Mãe encerra em si através da amamentação um “oásis” que garante no aconchego do seu colo, a fluidez, o calor, a sua fala e aroma de contenção que oferece uma vivência permitindo a organização do Eu (o primeiro Eu), do pensamento, e da expressão pré-verbal. Esta relação concretiza-se numa comunicação emocional, através de um sistema de regulação mútua com adaptações constantes, despertando a sensibilidade e a disponibilidade materna, fonte de elementos sensoriais, emocionais e psíquicos que se traduzem num sentimento de existência, de continuidade e da interiorização do Eu corporal. Neste sentido, o corpo assume o primeiro lugar de simbolização e metaforização, espaço de pluralidades de representações.
Despertando os sentidos (guardiões da interiorização e integração da solidez no processo histórico da vinculação) em harmonia com a Natureza, cultivamos o Amor que é a semente que lançamos à Terra, que envolvida de muito calor faz germinar a essência da Vida.
Assistimos assim, à espiral da criação à luz das emoções e sensações, que se traduz no despertar da atenção plena, no cultivo de funções sensoriais, estimulando reflexões próprias, que permitem, agir em verdade com o conhecimento, com amor no cultivo das relações e em liberdade no âmbito das ações gerando um novo Ser autónomo, separado, reconstruído, capaz de comtemplar, capaz de estar só (porque interiormente bem acompanhado), e, também capaz de entrar em contato consigo próprio e com os outros, com a fantasia e a realidade, tolerando as diferenças, e aceitando em consciência os desafios do mundo.
“Somos protegidos pela Lua, a Terra, a Água e o Vento…um remoinho de criatividade, vitalidade gira nos nossos corpos e os nossos filhos dependem em grande parte da explosão do nosso coração, da alegria infinita e do sentido profundo que encontrarmos no caminho do Mundo com nossas almas femininas” (Laura Gutman).
Dança a Espiral que nunca acaba
Dança o Ar, a Terra, a Água,
Com a tua dança, tu nos darás a esperança,
Dança como as árvores, como os pássaros, como os insetos,
Dança como as flores, como o vento, como os espíritos,
Dança como se disparasses a espiral para nós,
tal como te chamamos o espírito que fala
também te chamaremos o espírito que cura
tal como tu danças a teia que não finda
sara as partes doentes do Mundo.
I see with diferent eyes ( Karen KellY)
Mara Nunes
Raízes do Sentir(Artigo Agenda Lunar Foice de Prata 2017)